Uma questão de foco
“La telaraña del tiempo es la misma en todas partes dijo el maestro Cristaldo.
Cuando el ala de un pájaro roza un hilo al otro lado del mundo, todo el tejido del tiempo se mueve. Siente el aleteo de la vida. Percibe el latido del universo”
– Augusto Roa Bastos
(Escritor paraguaio)
Maya ou Mahamaya[1] é a deusa da ilusão. É a energia ilusória segundo a visão védica da vida. Maya está presente em toda parte e é ela quem não permite que tenhamos uma visão da realidade estonteante. Maya joga seu véu sobre todas as coisas de modo que o que vemos são aspectos da realidade universal através de lentes ilusórias e distorcidas. Isso não quer dizer que, na Índia, onde a idéia de Maya foi concebida, seja odiada, evitada ou perseguida. Maya é parte do grande jogo da vida – jogo no sentido lúdico, brincadeira. É por causa da ilusão de Maya que nós consideramos como reais coisas absurdas: racismo (há quem mate por ele), materialismo como forma de vida, superioridade do homem sobre a mulher e outras crenças arraigadas. Os hindus, os budistas, os taoístas e povos nativos de todos os continentes têm a idéia ou noção de Maya. O índios da América do Sul também. Os Mbyá-guaranis acreditam que tudo o que vemos ao nosso redor é só um reflexo das coisas, seres e experiências de um mundo real que existe em um dos sete paraísos criados por Nhamandú.
Mahamaya, a bela Deusa das Energias Ilusórias, faz com que tenhamos visões fora de foco de tudo o que percebemos. No caso da Fonte da Neblina Criativa há quem nela só enxergue recursos hidráulicos, não aproveitados. Outros como um atrativo turístico. Em tempos passados, como um empecilho para a navegação. Muita gente como um lugar ideal para a construção de uma Disneylândia. Mas muitos a vêem como um santuário, um templo, um lugar sagrado.
Mas apesar do grande domínio sobre nossos modos de percepção, a humanidade tem feito muito progresso no sentido de ampliar a visão. A visão proposta neste livro é a de ver-nos como parte de tudo e tudo como parte de nós mesmos. Esta idéia já foi considerada como perigosa. Em 1600, o filósofo Giordano Bruno fez esta afirmação em público e foi queimado em uma fogueira. Um bom exemplo de como Maya trabalha. Hoje ninguém corre o risco de ser queimado em uma fogueira porque crê que Deus está em tudo e tudo está em Deus. Porém ainda não aceitamos, na prática, que a humanidade é uma só. Não aceitamos que somos irmãos. Pelo contrário, vivemos cada um em sua casa. Em sua propriedade. Em seu país. Dentro de sua cultura. De sua raça. Maya não nos permite ter uma visão de que estamos literalmente no universo. De que não estamos em terra firme. Que o nosso lindo pequeno planeta é móvel e passa o tempo viajando. Que nós somos pequenas partículas microscópicas agarradas à pele da Terra e ao mesmo tempo parte de sua pele.
Mesmo sem sair de casa, cada um de nós viaja 942 milhões de quilômetros por ano. É a viagem que a terra realiza ao redor do Sol. É digno de nota que é a esta viagem que nós damos o nome de ano. Ano é uma palavra que ajuda a entender e esconder a realidade desta viagem. E essa viagem é feita a uma velocidade estonteante: 108 mil quilômetros por hora. Se tivéssemos esta visão clara em nossa mente, todos os homens e mulheres do planeta se veriam como passageiros e viajantes de um mesmo barco, como viajantes do universo. Viajantes cósmicos, segundo esta visão, é o que todos somos.
Além da grande velocidade do Planeta em sua órbita ao redor do Sol, a terra ainda gira em torno de si própria ou do seu próprio eixo. A cada um desse giro nós chamamos “dia”. É um giro feito em 24 horas a uma velocidade de 1.640 quilômetros por hora. Mas isso não é tudo. Além de participarmos da brincadeira de pega-pega, na dança-de- roda da Terra e do Sol, ainda participamos da dança do giro cósmico.
A ordem no universo é girar. É uma dança. Não é só a Terra que dança ao redor do sol. O Sol e toda estrela que vemos (ou não) no “firmamento”, faz uma viagem ao redor do centro da Via Láctea a cada 240 milhões de anos a uma velocidade de 137 milhas por segundo. Nós – quer dizer o Sol com seus planetas e cada estrela do firmamento com seus planetas e estes com seus satélites – completamos menos de 20 destas voltas, ao centro da galáxia, desde que a Terra “nasceu”. Se cada volta dessas for um ano, temos aí um Planeta novinho em folha – uma terra com pouco menos de 20 anos galácticos. Um planeta jovem. Adolescente.
Assim, esse gira-gira, essa dança é uma brincadeira na qual todos participamos e sequer notamos que estamos participando de alguma coisa tão fantástica. Eis a adorável Maya trabalhando. Sabemos disso, hoje, graças à frieza científica e não pela sua beleza poética. Os poetas não se dedicaram a descrever a beleza de nossa situação no universo. Os poetas não fazem ciência e os cientistas não sabem escrever poesia. É Maya de novo!
Em vez disso, graças à Maya, temos uma visão torta de nosso Planeta. Não nos vemos como eternos meninos e meninas que viajam 942 milhões de quilômetro por ano, agarrados ao coro cabeludo de uma bola que brinca de pega-pega com outra bola maior chamada de Sol e que por sua vez persegue nesta eterna brincadeira o centro de uma Galáxia chamada Via Láctea. Não percebemos que esta bola onde moramos no espaço tem um tamanho limite, peso limite, capacidade limite. Dividimos esta bola em países e criamos forças armadas para defendê-los. E fizemos armas de osso, de madeira, de pedra e terminamos fazendo bombas. “Em nome da ‘segurança’ [desses países] já acumulamos o equivalente a 20 toneladas de TNT para cada habitante da Terra”, escreveu Pierre Fluchaire. “Com o que poderíamos destruir tudo, 40 mil vezes”, acrescentou Hubert Reeves.
Os homens – e nos referimos ao masculino – se especializaram em assegurar de que toda beleza seja proibida. A terra é bela. O universo é belo. A Fonte da Neblina Criativa é bela. A infância é bela. A juventude é bela. O amor é belo. Tocar é belo. A velhice é bela. Por isso tudo tem que ser destruído. Em seu lugar, vive-se momentos de glória econômica. Cada bomba produz lucros. E Maya os deixa pensar que são bem sucedidos. A Grande Maya não permite que enxerguemos a realidade do universo além dos sentidos. Mas isso já começa a mudar. É o que veremos nos próximos dois capítulos. A ciência começa a dar passos que nos ajudam a enxergar através do véu da bela Maya.
[1] Maha – Grande, em sânscrito.
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