terça-feira, novembro 14, 2006

Capítulo 20

As Grandes Manifestações

O mundo tem milhares de cachoeiras. Elas são lugares especiais. Porém o Planeta tem poucas grandes cataratas. No momento, só temos três. Y-guaçu, Niagara e Mosi-oa-Tunya. Mosi-wa-Tunya fica na África, na fronteira entre Zâmbia e Zimbábue. O nome significa “A Fumaça que troveja”. E a fumaça aqui se refere à Neblina. Mas fora de Zâmbia e Zimbábue, ninguém sabe que os povos locais, que também reverenciavam suas águas e neblinas, as chamavam assim. Igual a Y-guacu, Mosi oa Tunya não chega a ser um nome próprio, um substantivo. É uma frase. É um elogio. Hoje o mundo conhece a Mosi-ao-Tunya como as Cataratas de Victoria ou Victoria Falls – nome dado por Livingstone para homenagear a rainha do Império Britânico. Por que todas as grandes Cataratas são fronteira?

Já Niagara – um espetáculo da Natureza também foi destinada a servir de fronteira entre dois países. Desta feita, Estados Unidos e Canadá. Ou entre a província de Ontário e o estado de Nova York. Das três, Niagara é a maior vítima da voracidade da economia. Trinta anos antes dos Saltos de Santa Maria do Iguaçu, como as Cataratas do Iguaçu foram chamadas até recentemente, serem declaradas Parque Nacional, as Cataratas do Niagara já estavam ambientalmente depredadas.

A cidade, hoje chamada de Niagara Falls já era industrializada e a maior parte das indústrias estava nas margens das Cataratas – com os esgotos despejando material químico pesado diretamente nas Cataratas. Foi então que o paisagista Frederick Law Olmsted
[1], chegou à região e começou uma luta para salvar a paisagem “do uso não apropriado da área” pela indústria, e começar sua famosa carreira de embelezamento de cidades. Olmsted escreveu que só uma pequena parte das Cataratas era visível para o visitante. A maior parte dela, estava por trás dos muros das indústrias ali localizadas. E os visitantes pagavam aos donos das propriedades para olhá-la através de buracos no muro.

Em 1879, Olmested preparou um relatório para o Estado de Nova York propondo a compra das terras em volta das Cataratas. A meta dele era fazer um trabalho de embelezamento da cidade e resgatar a beleza original das Cataratas. Nasceria, daí, a Reserva Estadual de Niagara e o projeto de embelezamento que ainda se encontra no local.

As Cataratas de Niagara também eram um lugar sagrado para os Sênecas e outras nações indígenas federadas que lutaram para defendê-las. Em 1763, os Sênecas travaram uma batalha com um grupo de soldados ingleses. A batalha terminou quando 80 soldados britânicos, dentro de uma carroça foram atirados às Cataratas. Os historiadores afirmam que mais de 80 soldados morreram ao serem arrojados no “Buraco do Diabo
[2]” – este é o nome equivalente ao “Garganta do Diabo” dado a mais impressionante das manifestações da natureza na fronteira Argentina-Brasil.

O Plano de Olmsted começou a sair do papel em 1887. Um ano antes da chegada do Exercito Imperial brasileiro ao lugar onde um dia existiria Foz do Iguaçu. Treze anos antes de chegar a primeira expedição para conhecer as Cataratas. Na expedição se encontrava Victoria Aguirre que queria ver a possibilidade de trazer turistas para Y-guaçu. Mas foi só em 1927 (onze anos depois do Estado do Paraná ter decretado a área das Cataratas do Iguaçu como Parque estadual
[3]) que Niagara foi declarada Parque Estadual. Mas assim mesmo não toda as Cataratas. O novo parque incluía somente o “Buraco do Diabo” – a área onde os soldados britânicos tinham sido emboscados e mortos pelos Sêneca.

Em 1933, já no programa econômico do presidente Franklin D. Roosevelt, trabalhadores desempregados foram usados para construir parques e obras públicas em estilo de mutirão. Nesta ocasião foram construídos muros de pedras isolando o “Buraco do Diabo”. Em 1962, após a construção da primeira hidrelétrica nas Cataratas, parte dos muros e parte das rochas naturais do Buraco do M’bae Pochy (do coisa raivosa) foi destruída para dar acesso à hidrelétrica e abrir passo para um estrada de quatro mãos.

Em 1997, começaram discussões e pressões de grupos de moradores e ambientalistas para desmanchar a pista de quatro vias. O Governo já aceitou fechar duas delas.
[4] Mas os ambientalistas querem, que todas as vias não sejam só fechadas. Querem que sejam retornadas ao ambiente natural. Isto é com árvores, abelhas, borboletas. Voltando à nossa visão do todo interconectado da ecologia fisiologista e holística do Planeta, vemos aí, que as Cataratas do Niagara como uma importante fonte de energia criadora está ameaçada – ou sempre esteve ameaçada.

O clube das grandes Cataratas é extremamente pequeno. Se, de alguma maneira, como revelam os estudos de Alain Prospect, as partículas subatômicas de um átomo qualquer se comunicam mesmo através de grandes distâncias, não seria um ato de idiotice afirmar, que as Cataratas de Niagara se comunicam com as Cataratas do Iguaçu e com Victória.

Todas as grandes cataratas estão ameaçadas. As ameaças são, em primeiro lugar, as hidrelétricas. Tanto Mosi-oa-Tunyia como Niágara têm hidrelétricas dentro de sua área de influência e de manifestação. Y-Guaçu é a única que sobreviveu à loucura da engenharia e da voracidade econômica no sentido estrito de não ter hidrelétrica. Mas este propósito já existiu. Contudo, as hidrelétricas cercam a Y-Guaçu. O rio Iguaçu, um pequeno rio quando comprado com os rios amazônicos, já tem várias grandes cicatrizes na forma de hidrelétricas acima das Cataratas.

Y-Guaçu está entre a maior Hidrelétrica do Mundo, Itaipu – que consta da lista das “maravilhas do mundo moderno” e de Urugua’ í – um hidrelétrica menor cuja história está envolvida em uma nuvem grossa de mistérios – no mal sentido. É uma hidrelétrica que deu errado. È uma obra de engenharia admirável mas ninguém sabe explicar por que os engenheiros superdimensionaram o Lago da Represa de Urugua’ í de modo que o pequeno rio Urugua’ í nunca conseguiu enchê-lo. Pro isso, a represa que custou cinco vezes mais do que devia é um fracasso.

Hoje, com a ilusória e estratégica “crise energética”, grupos técnicos e financeiros buscam desesperadamente “consertar” o erro de Urugua’ í. E para a imensa tristeza de ambientalistas, e pessoas que tem a visão que este livro quer passar, os técnicos, cientistas, engenheiros e financistas, têm um “grandioso” projeto de cem milhões de dólares, quarenta quilômetros de comprimento e sete metros de largura. É um aqueduto, na forma de túnel, que pretende “emprestar” água do rio Iguaçu, para consertar o escandaloso fracasso de Urugua´í.
Contra a loucura tecnocrática, se levantaram toda espécie de grupos que levam em conta o aspecto ambiental e econômico. Destacaram o provável desastre ambiental na área de introdução de espécies nos ambientes diferentes dos dois rios. A diminuição da água, as conseqüências para o turismo (que morrerá de sede), e outros problemas vistos pela visão técnica, ambiental, científica.

Uma dessas vozes lembra que ninguém entende o mecanismo do rio Iguaçu. Qual é a quantidade mínima de água para que as Cataratas do Iguaçu ainda consigam gerar a “neblina”? Tanto em Y-Guaçu, como em Mosi-ao-Tunya e também Niagara, as neblinas são responsáveis por um micro-clima extremamente localizado que mantêm uma micro-ecologia em funcionamento.
Shone Blore, jornalista que visitou a Y-Guaçu Sagrada escreveu: “São as neblinas que criam o grande segredo escondido na área do Iguaçu – que passam desapercebidas pelos turistas ansiosos em clicar a foto perfeita e seguir viagem. Elas criam um micro-clima, um bolsão de exuberância próxima a de uma floresta pluvial”.

Crescem as vozes ambientalistas que afirmam que a diminuição do nível de água acarretará a diminuição da “Neblina” que por sua vez afetará o exuberante verde que hoje cerca a Y-Guaçu Sagrada – tudo perfeitamente explicável pela ciência.

A irmã africana de Y-Guaçu também fica dentro de um Parque Nacional. Um Parque nacional que é um patrimônio da humanidade. Nos documentos da Unesco que justificam a elevação de Mosi-oa-Tunya à categoria de Patrimônio Natural Mundial, este fenômeno ecológico que os africanos “primitivos” chamam de “Fumaça” e este livro chama de “Neblina”, é mencionado. Diz o documento: “A precipitação anual é de 600 a 700 milímetros por ano, mas a Neblina produzida pelas cataratas é parcialmente responsável pela sustentação da floresta pluvial, no lado oposto das cataratas....”

No fio de pensamento utilizado para tecer este livro, o projeto do túnel e pior ainda, um projeto brasileiro que resiste a morte e insiste na construção de mais uma hidrelétrica no rio Iguaçu, próximo as Cataratas, são vistos como um desrespeito à sacralidade de Y-Guaçu – como um Lugar Sagrado do Planeta. Um lugar sagrado de Paz e Poder que é parte de uma extensa rede de lugares sagrados em toda a terra.

As ameaças aos Lugares Sagrados vêm de todos os lados na forma de projetos de “desenvolvimento”. Muitos desses projetos apoiados pelos órgãos de proteção ambiental. E estes órgãos, por sua vez, apoiados em opiniões e veredictos de especialistas da recente e arrogante ciência supostamente ambiental. Assim vemos com tristeza, que à lista das ameaças podem-se acrescentar os órgãos de proteção ambiental, os especialistas da proteção e gestão ambiental, o turismo e autoridades de todos os níveis.

Isso acontece por causa da visão de um mundo concreto que funciona como uma máquina. E não de um mundo de inumeráveis possibilidades de conexões onde cada parte é parte de uma enorme totalidade. É parte de uma visão onde somos separados e desligados da natureza. Uma visão de vida na terra. Em vez de, como afirma a Elisabet Sahtouris, “vida da terra”.

É a ciência eco-tecnológica que parte de uma ecologia superficial e não de uma ecologia profunda tal como vem sendo proposta pelo cientista Arnes Naes desde 1970. É uma visão estática da vida que não vê que a ciência começa a questionar a mono-visão, a substituição de um clero religioso, por uma classe sacerdotal científica à serviço de grupos e empresas que pagam as contas. Hoje, entram em cena, novas ciências com um foco não só inter-disciplinar ou multi-discliplinar mas transdisciplinar. Onde as disciplinas se dissolvem uma nas outras. Enquanto o sacerdócio da ciência ecológica, decide se faz ou não um túnel ou uma hidrelétrica, o mundo avança a grandes passos para ciências como a ecologia profunda, a ecopsicologia
[5], e para uma ecologia transpessoal – que é a proposta deste livro.

A visão da preservação da natureza como sagrada, de lugares sagrados, de pessoas como reflexos da grande mente cósmica é uma visão de ecologia transpessoal, de uma educação ambiental transpessoal. Não um programa de “educação ambiental” que nos ensina que “vivemos em um ambiente”. Não uma educação ambiental que nos ensina a preservar recursos hoje, para consumir amanhã. Esta é uma educação ambiental fruto de uma ecologia superficial. A ecologia transpessoal ensina que somos parte da terra. Que não somos donos dela. Podemos destruí-la, mas não sabemos consertá-la. Que há inúmeras zonas de interferências a serem levadas em consideração.

Por fim, a ecologia transpessoal coincide com a visão de povos e culturas segundo as quais a Natureza nos afeta profundamente e em vários níveis de nossa realidade consciencial. A natureza nos afeta espiritualmente. Parte da enorme violência do mundo é o resultado de poucas centenas de anos em um experimento anti-natural, liderado pela burocracia tecnocrática. Tudo tem conseqüência. A destruição do planeta nos afeta psicologicamente ou melhor ecopsicologicamente. Os Lugares Sagrados, parques nacionais, florestas, o mar, rios, montanhas, podem nos ajudar ecopsicologicamente. Espiritualmente. Multi-dimensionalmente.





[1] Frederick Law Olmsted (1822 –1903) foi superintendente e um dos projetistas do Central Park de Nova York.
[2] Devil’s Hole em inglês.
[3] Onze anos depois do Estado do Paraná ter decretado a área das Cataratas do Iguaçu como Parque estadual. E 12 anos antes de Iguaçu ser decretado Parque Nacional. Em 1984, o Parque Nacional Iguazu (Misiones, Argentina) foi incorporado à lista do Patrimônio Mundial Natural segundo Convenção da Unesco. O mesmo acontecendo com o Parque Nacional do Iguaçu (Paraná, Brasil) em 1986
[4] Informações do ambientalista Bob Baxter, em carta para o jornal Niagara Gazette, seção Guest View. Edição de 12 de maio de 2002
[5] Várias universidades americanas têm curso no nível de mestrado, doutorado e pós-doutorado em ecopsicologia. Um destaque é a Universidade da Califórnia. Discussões, estudos e contatos em ecopsicologia são encontrados facilmente na internet. Basta buscar “ecopsychology” em qualquer portal de busca.

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